Miss chamada de "peladona" revela moralismo de concursos

Conseguir o terceiro lugar no concurso de Miss Universo é um grande resultado para as mulheres que disputam esse título. Mas para a brasileira Priscila Machado, não foi só motivo de aplausos: tanto na disputa preliminar, pelo título de Miss Brasil, quanto no concurso internacional, a gaúcha de 25 anos desfilou sob vaias e foi xingada de “peladona” pela plateia. Isso porque Priscila já posou com os seios à mostra – o que vai contra o regulamento do concurso.

“O concurso parece refletir os valores meu avô tinha”, afirma o antropólogo docente da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) Gabriel Publiese. Entre as exigências do concurso, estão não ser casada, não ter filhos e nunca ter posado nua. Durante a competição, elas têm acompanhantes, chamadas de chaperonas, que garantem que elas jamais saiam sozinhas, por exemplo. O próprio título, pronome de tratamento usado na língua inglesa para se referir às solteiras, ajuda a amarrar a ideia de donzela que as regras reforçam.

AP

A Miss Brasil Priscila Machado competiu sob vaias e gritos de "peladona"

“Essas competições são baseadas em um ideal de beleza vitoriano onde a estética está relacionada ao pudor. Mas as coisas mudaram muito. Hoje, não deveria haver espaço para um evento que prega a desigualdade tão explícita entre o homem e a mulher, que tem seu comportamento constantemente vigiado”, diz Gabriel.

A consultora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) Ana Claudia Pereira afirma que qualquer concurso de beleza promove a objetificação da mulher. “É alguém que não existe como um ser humano. Está ali para agradar os olhos e desejos de outras pessoas. Os concursos de miss são conservadores e têm uma concepção extremamente moralista com relação ao comportamento das mulheres.”

“Peladona”
De acordo com Ana Claudia, a escolha do xingamento é bastante esclarecedora. “O que é valorizado é a mulher recatada. Eles poderiam usar outros xingamentos, mas a escolha refletiu que a plateia compartilha das mesmas convicções da organização do concurso e reforça sua concepção do que seria a mulher ideal.”

Gabriel concorda. Para ele, o grito reflete o moralismo e conservadorismo presente naquele ambiente. “Se você for pensar bem, mostrar os seios é algo corriqueiro em diversas praias pelo mundo, por exemplo. Por que é tão importante assim? No mundo das top models uma foto como essa seria admirada e não motivo de indignação.”

O filósofo Luiz Felipe Pondé, professor da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), acredita que a reação da plateia é reprovável. “Essas demonstrações de massa são hipócritas. Quem grita isso quer uma mulher como ela na sua cama ou gostaria de ser como ela.” Pondé acredita que a mulher bonita é sempre mais suscetível a despertar a ira nas outras pessoas.

Ele ressalta que faz sentido pensar que o xingamento escolhido poderia ser outro se a intenção da plateia fosse apenas contestar a vitória da gaúcha Priscila Machado, como ela mesma acredita. “Eu acho que quem me vaiou foi pela insatisfação de sua candidata não ter vencido. Acredito que tenha sido coisa de torcida. Foi inesperado, mas não quero julgar as outras pessoas”, afirma a miss.

Defensores
Priscila não se incomoda com a patrulha em sua vida. “Quem quer participar e não concorda com o regulamento não tem motivo para entrar no concurso. Eu não fui obrigada a me candidatar. Nenhuma mulher é. Eu acho que as qualidades que pedem de uma miss são pertinentes.”

“A mulher que representa a beleza de uma nação precisa ter uma conduta à altura. Não pode ter hábitos explícitos como beber ou fumar muito. Também não tem perfil de miss quem gosta muito de festas. Ela é o mais próximo da perfeição que conseguimos chegar. É uma mulher modelo”, afirma o missólogo Evandro Hazzy.

Apesar de reprovar a manifestação da plateia, Pondé faz coro. “Me surpreendi comigo mesmo e cheguei à conclusão de que concordo com as regras do concurso.” Para ele, quando a organização define que a mulher deve ser solteira e sem filhos acaba fazendo um bem à candidata. “Evita criar mal-estar com marido e filho e expor essa moça a um estresse familiar muito grande. Esses critérios estão certíssimos. Acho que é questão de funcionalidade e não de ideologia.” Com relação à conduta das candidatas, outra aprovação. “Um certo pudor faz parte da beleza feminina. A beleza não é só física. Isso ainda tem espaço e não é moralismo.”

Regras
O organizador do concurso Miss Brasil Boanerges Gaeta Jr. defende a necessidade de um padrão comportamental entre as candidatas. “As regras têm razão para existir. Se a candidata for casada, por exemplo, não terá a disponibilidade necessária para cumprir bem seus compromissos.”

Gaeta Jr. faz questão de ressaltar que não permitir a entrada de mulheres que tenham posado nua no concurso é necessário para que a miss passe a ideia de glamour, elegância e pureza. “Ela precisa ser um exemplo durante sua vida pública. Claro que é livre para fumar, beber e namorar, mas não deve fazer isso em público. Talvez as coisas mudem com o tempo. Já mudaram bastante. Se você olhar a revista do Miss Universo do ano passado, vai encontrar fotos bastante sensuais”, aponta.

Regras para ser Miss Brasil:
– Ser do sexo feminino
– Ser cidadã brasileira por um período de pelo menos doze meses que antecedem a realização do concurso
– Ser residente no País
– Ter no mínimo 18 anos e no máximo 25 anos até o dia 31 de dezembro correspondente ao ano do concurso. Não serão aceitas candidatas emancipadas
– Nunca ter sido casada, nem ter tido casamento anulado e nem tão pouco ter dado à luz uma criança
– Não estar grávida
– Nunca ter sido fotografada ou filmada totalmente despida, expondo os seios e partes íntimas
– Nunca ter sido fotografada ou filmada em cena de sexo explícito
– Estatura aproximada de 1,68 m
– Busto aproximadamente 88 a 92 centímetros
– Quadril aproximadamente 88 a 92 centímetros
– Cintura aproximadamente 58 a 62 centímetros

IG

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